
Por Gutierres Fernandes Siqueira
O pastor Ricardo Gondim concedeu uma entrevista para o blog do jornalista Roldão Arruda, especialista em assuntos de direitos humanos [leia aqui]. Bom, já alerto que criticar opiniões do Gondim não é fácil. Os seus seguidores costumam pintar os críticos de fundamentalistas, retrógrados, reacionários e de outros adjetivos que legitimam um discurso estereotipado para não debater ideias. E fora, também, quando perguntam se você é especialista para fazer alguma observação crítica! Estamos lidando com algum deus do Olimpo? Prossigamos!
É visível a tentativa de colocar Gondim como o “Boff evangélico”, ou seja, o brilhante teólogo incompreendido pelos idiotas (no sentido filosófico do termo). É uma vitimização sem fim! E, nessa entrevista, não é diferente!
A apresentação do texto já começa com uma tremenda inverdade. O jornalista escreve que “no ano passado ele (Gondim) rompeu com parte do movimento evangélico, após ter sido atacado e chamado de herege, por suas críticas à chamada ‘teologia da prosperidade’”. Ora, Gondim como crítico do Movimento da Fé sempre foi uma voz respeitadíssima no meio evangélico. Quem não lembra do referido pastor como colunista de duas revistas importantes no segmento? O rompimento dele, na verdade, diz respeito a paradigmas teológicos e soteriológicos. Bom, mas esse é outro assunto.
Discordar do Gondim não significa que eu concorde com o (In)Feliciano [leia aqui]. E nem discordo de tudo nessa fala, pois há coisas boas ditas nessa entrevista. Sabemos que o Marco Feliciano já fala besteiras há anos. Megalomaníaco, analfabeto de Bíblia e recheado de clichês, o texto do tweet talvez nem expresse racismo clássico, mas desinformação pura e simples de alguém que interpretada a Bíblia como se fosse um gibi. É o retrato de um pastor mal preparado teologicamente e, portanto, mal preparado para o exercício da política partidária. Mas, como vivemos numa democracia, as besteiras felicianas devem ser toleradas [leia aqui]. Aliás, o Feliciano é só uma consequência do descaso que o pentecostalismo brasileiro deu para com a educação. Porém, o Gondim parece querer representar outro extremo.
Agora, vejamos. Gondim escreve que o Feliciano foi eleito por “um segmento muito alienado politicamente”. Hum, que frase mais ensone e elitista. Eu nunca votaria no Feliciano, mas daí chamar seus eleitores de “alienados” é um tanto forte.
Ele diz: “É apenas o porta-voz de um grupo que, no atual contexto religioso, ainda replica argumentos usados por países colonialistas para a dominação e exploração dos mais pobres, especialmente na África. Isso é muito triste.” Ora, que leitura mais contaminada por uma ideologia de esquerda! O (In)Feliciano é apenas ignorante. O discurso dele não faz parte de um complô internacional para justificar a “dominação e exploração” na África. É má teologia, não estratégia política. O problema dessa ideologia gondiniana é achar que todo é política, menos o seu próprio discurso. [Um adendo: Falta aos teóricos “progressistas” denunciarem a exploração predatória que os chineses fazem naquele continente. Ou criticar a China comunista e antagonista dos EUA não vale? Além disso, cadê uma crítica mais contundente contra os ditadores que escravizam países há décadas, inclusive sob a bandeira do anti-imperialismo. Dois pesos?].
Gondim acerta lindamente quando diz que “ainda existem segmentos, dos quais Marco Feliciano faz parte, que repetem esse tipo de coisa, que defendem a relação entre causa e efeito, a maldição das pessoas pela divindade que tudo ordena e orquestra, como se nossas escolhas, decisões e articulações sociais não interferissem nos resultados. Trata-se de um simplismo cruel e inútil.” Ou seja, o problema do Feliciano é mais teológico (concepção mercantil de Deus) do que geopolítico. Infelizmente, Feliciano é adepto da teodiceia da retribuição, assim como muitos evangélicos.
Gondim, contaminado pelo antiamericanismo infantil, tenta casar Feliciano (que apoiou o PT na última eleição) com os sulistas norte-americanos. É como comparar zebra com cavalo. Não temos uma direita religiosa como nos Estados Unidos. Isso é pura fantasia. Os deputados evangélicos, em sua maioria, são da base aliada do governo Dilma Rousseff. Seria a primeira direita de esquerda do mundo!
E, também, Gondim parece não ver preconceito contra evangélico. Ora, o gay, o anão, a mulher, o índio etc. e tal já podem construir a instituição da vítima, menos o evangélico. Esse, é claro, sempre será opressor. Não compartilho dessa visão, mesmo achando que o Feliciano é mais vítima de suas besteiras do que da religião.
E, por último, Gondim tem uma concepção bem francesa de Estado laico. É a mesma visão que legitimou a violência de Robespierre contra a religião. É um discurso que, também, legitima a violência. Estado laico não é ausência do religioso no espaço público, pois tal ausência não é conseguida com democracia. Estado laico é o Estado sem religião oficial, onde todos podem exercer livremente suas crenças e, também, onde o Estado não assume nenhuma posição. Mas isso não quer dizer que a voz da Igreja deva ser calada na praça pública. Somente autoritários conseguiram o sonho do Iluminismo francês. Portanto, por incrível que pareça, o Gondim também é portador de um discurso que já legitimou muita violência por aí. Mas, como vocês sabem e Satre já dizia, o diabo é o outro!
De resto, nada a falar.
PS: Para saber mais sobre essa concepção autoritária de Estado laico, recomendo urgentemente a leitura do livro The Intolerance of Tolerance [2 ed. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 2012] do D. A. Carson. Infelizmente, não há edição em português [Alô editoras evangélicas!]. O mais irônico é que eu soube da existência desse ótimo livro por um artigo bem antigo (e ótimo) do Gondim. [leia aqui].
PS 2: O D. A. Carson também trata do assunto no livro Cristo e Cultura: Uma Releitura [1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 2012].
PS 2: O D. A. Carson também trata do assunto no livro Cristo e Cultura: Uma Releitura [1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 2012].